25/11/09

Pachos na testa, terço na mão...

Poema de António Lobo Antunes

(Sátira aos homens quando estão constipados)


Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

23/11/09

Memorial

Ao meu saudoso amigo Catarro ao qual muito se ficou a dever momentos de muita alegria, de amizade e de suprema sabedoria.



Ah! Porra, Catarro, meu amigo.
Meu? Não, de todos, como sabes.
Habituados sempre a rir contigo
Partiste e Já de ti têm saudades

Jocoso, belicoso, delicado, um querido;
Davas a volta a tudo com perfeito jeito,
E era sempre agradável estar contigo
Porque tu sabias estar num estar perfeito

Mas que fazer se a vida é principio e fim,
Se todos os rios vão desaguar ao mar,
E onde estejas não deixaste de aqui estar

Sentimos o teu riso, a piada, o teu dom enfim.
E as recordações de um homem que merece;
Foste o amigo que nenhum amigo esquece!

Memorial

Ao meu saudoso amigo Catarro ao qual muito se ficou a dever momentos de muita alegria, de amizade e de suprema sabedoria.


22/11/09

Tascaguei

Ao meu grande e saudoso amigo Manuel de Sousa, dono do café que era uma autentica tertúlia


Todos os dias são os mesmos e fazem jus
De se juntarem em “bichosa” esplanada
Onde entre uns copos e cerveja gelada
A conversa vai sempre direita aos cus

O Manuel de cuja porra viril se suspeita
E talvez para disfarçar tal vicissitude
Toma sempre a dianteira na atitude
Evocando grande tusa, qual maleita

Publicita de tal forma a sua moca
Que me concede o direito à suspeição
E, sou sincero; ao que a mim me toca

Sou indiferente a que exista tal tesão
Mas tendo-a, profusamente, que a utilize
Como possa, se pode, mas sem deslize.

Alegoria

Todas as pessoas sozinhas sorriem
Em frente ao espelho
E lavam os dentes como quem
Arranca beijos à emoção de ter ali,
À nossa frente, alguém de
Quem gostamos muito.
A porta da rua é um lugar
Por onde só se sai,
A nossa família é uma fotografia
Pendurada na parede
E os amigos são aqueles que
Nos dão os bons dias no café.
Todas as pessoas sozinhas gritam
Baixinho os nomes esquecidos
Que outras pessoas sozinhas lhes
Sussurraram alto uma vez,
Quando ainda éramos
Todos uns dos outros…

19/11/09

ALFA E OMEGA






Por nada a sorte inverte o rumo a tudo
E só por crer em tudo sem ver nada
Há quem sem ganhar nada tenha tudo
E a quem tudo faltou sem perder nada

Nunca quem nada tenha perdeu tudo
E crendo que Jesus foi tudo sem ter nada
Duvido de um Deus que fez o nada valer tudo
Porque nesta ilusão da vida tudo é nada

Andamos nós por nada a querer tudo
E tudo o que alcançamos não é nada
Se nada é o homem cônscio de ser tudo

Não é o mal de tudo o não ter nada
Pois nada nos custa ao fim de tudo
Somar tudo, contudo, igual a nada.

A TI



Dia das mães é dia de encanto.
E é neste soneto para a eternidade
Que eu te ofereço e que te canto
Tão humilde ode à maternidade

A mãe que foste, e não esquecemos
Que inundaste de amor e alegria
Esta casa que todos enriquecemos
Mas que sem ti é pobre e tão vazia

Os filhos que nos deste são de ouro
Não desejo nem terei melhor tesouro
São obra nossa; trabalhámos bem

De ti seremos sempre continuidade
Com muito amor, grande saudade
Obrigado a ti, Amiga, Mulher, Mãe

EXCELSO AMOR




Seis anos se passaram, mas tu não estás ausente
Estás dentro do meu espaço – eu vivo esta visão
Não a que os olhos vêem, mas a que vê o coração
Pois em cada dia, hora e minuto estás presente

Tu andas pela casa – estás em tudo o que se faz.
Tudo tem a tua mão e, quando olho pró jardim
As árvores, as flores, o limpa garrafas carmim
E aquele cheiro das tuas alfazemas dá-me paz

São tantas vezes que me pergunto se terei força
Para dar continuidade a tudo quanto começámos
Mas enquanto te sentir não há nada que me torça

Que o meu querer e resistência se não desgastem
E, passem os anos que passarem, estarás comigo
Fui teu, sempre fui teu e serei teu: vivo contigo!

34 Anos de saudade imensa!




Vinte de Novembro (são as datas que me marcam)
E, numa quinta-feira longínqua, de setenta e cinco,
Casámos, unimo-nos e se é certo que os anos passam
É, como se fosse hoje; recordo-o com grande afinco

Trinta e quatro anos se passaram e a minha lealdade
Mantém-se incólume, porque estás viva, estás aqui
Estás na alma de quem te ama. É esta a realidade
E, apesar de tudo ser diferente, teimo em ter-te a ti

Foste a eleita: foste a única a quem amei e ponto.
Velho, cansado, desiludido, mas não estou tonto
Ainda que dúvidas possam persistir, mas siga

Ideia bacoca de quem nunca amou, e que se diga:
Sem amor, sem dor e sem saudade, tudo está torto
E quem não tem em si tal sentimento é que está morto!

Vale da Pedra, 20 de Novembro de 2009

(34º aniversário do nosso casamento)

14/11/09

Olhar em frente




Sou doutra geração que aos olhos desta é cota
Epíteto de velho, ultrapassado, mas que fazer?
A velhice vem, paulatinamente, e é com prazer
Que afirmo, juventude, que atentos tomem nota

Perde-se tudo na vida, ou melhor nada se tem,
E eu teimo, mas teimo obstinadamente e digo;
Que riqueza, que valor, que bom é ter um amigo
E se tivermos um, um só que seja, temos um bem

De maneira que não ousem, rir-se das cãs
Numa atitude que tudo tem de mais prolixo
Porque as vossas atitudes serão apenas vãs

É que, se hoje, no auge da vossa jovialidade e viço
Olharem para os vossos velhos como lixo
Estão-se esquecendo dos vossos amanhãs.

13/11/09




Quando as flores murcham
Sem que a água falte e o sol aperte
Algo falta à terra que as sustém…
E faltam flores no canteiro do jardim
Em que corria menino
E onde eu, poeta, sonhei.

12/11/09

MAGIA




Era tão belo o poema que fiz
Bastou que lhe tocasses,
Como ele ficou.
Era tão belo o poema nas tuas mãos
Caídas,
Nos teus olhos abertos e tristes,
No teu sorriso calmo…

É tão lindo o poema que és!

Tudo e nada




E se acaso
Ainda duvidas de mim
Se apesar
Do amor que te dei,
De todas as carícias,
Ainda duvidas,
Se não bastam os pequenos nadas
E os grandes sacrifícios
Para te provar
Quanto te quero e quis…
Então amor,
Vem escutar os versos que te fiz.

10/11/09

O meu testamento



Vislumbro no horizonte
A minha alma cansada
A morte negra esfaimada
Indicando a minha fronte
Sem que dela me amedronte
Pois o mal nunca eu nunca fiz
Nesse supremo juiz
Que a todos há-de julgar
Sinto pressa em acabar
A vida de um infeliz

È o meu último desejo
Que ninguém chore por mim
Quando chegar o meu fim.
Ao meu fúnebre cortejo
Não quero sequer um beijo
Nem quero falsos lamentos
Que meu ideal condena
Porque finalmente a pena
Resume-se a dois momentos

Na mais pobre condição
Eu quero descer à terra
Pois quem os olhos encerra
Não precisa compaixão
Se vive na solidão
Sem que conseguisse ter
Conforto nesse viver.
Façam-me então a vontade
Para que eu veja a igualdade
No nascer e no morrer

Atirem meu corpo à vala
Talvez eu fique encostado
A um outro desgraçado
Com o qual ninguém se rala
Não quero que façam gala
No caixão em ornamentos
Oh! Vida de fingimentos
Que maldita sejas tu
Enterrem meu corpo nu
Envolvendo sofrimentos

Se tu dizes




Perdi-me de cabeça tonta
Palermice de tal monta
Que escrever não vale a pena
Mas eis se não que uma amiga
Que é boa rapariga
Do peito exala e desdiz:
Escreve umas coisas bonitas
Que eu gosto, está bem de ver.
Vá lá, continua a escrever
Não te vás subestimar…
Escreve, escreve sem parar
Dá curso ao teu sentir
Deixa tudo fluir
Porque somos nós quem te lê
Que te havemos de julgar...
Lá peguei na minha pena
E vou escrever sem parar!

09/11/09

Outro lado de mim



Na permanente tendência
Em que estou sempre a esconder
O que sou na realidade;
Umas vezes por maldade
Outras por falso recato.
Não alterando a aparência
Para quem me lê ou escuta
Criando de mim uma imagem,
Imagem que é um retrato
Tirado “à la minuta”
Perco alguma transparência
Do que sou eu na verdade
Dando de mim a ideia
De uma frieza danada
De grande indiferença à dor
De tudo o que me circunda
Parecendo estar mal com o mundo
Mas indo lá bem ao fundo
Toda esta revolta iracunda
Não passa de barafunda
Que raia o ódio e o amor
Desta grande frustração
De quem não tem solução
Alterando dessa feita
Por maldade ou por recato
Aquilo que está no retrato